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quarta-feira, 28 de outubro de 2009

Pode me chamar de Obama

O mantra "Mudança e esperança", espinha dorsal da campanha que levou Barack Obama à Presidência dos Estados Unidos, deu a volta ao mundo e se repetiu no Japão. No lugar do famos "Yes, we can" de Obama, o slogam que mobilizou os eleitores japoneses foi "Seikatsu daiichi", ou "A vida das pessoas em primeiro lugar". Frustados com quase duas décadas de estagnação econômica, os japoneses encerraram em agosto mais de meio século de domínio do conservador Partido Democrático Liberal, entregando o poder a seu principal concorrente, o Partido Democrático do Japão, de centro-esquerda. A plataforma do novo primeiro-ministro, Yukio Hatoyama, de 62 anos, que tomou posse em setembro, também representa uma ruptura. Em vez de gastar seu tempo com questões como o interminável debate no país a respeito da conveniência da privatização dos Correios, que funcionam na prática como o principal banco no Japão, Hatoyama assumio o posto do premiê prometendo medidas práticas e urgentes para reativar o consumo interno. O pacote inclui a diminuição de cobrança de impostos para as empresas e a criação de uma espécie de Bolsa Família.

O Japão que Hatoyama recebe das mãos do ex-premiê Taro Aso é um país em que a produção industrial retraiu quase 40% no último ano (menor nível desde 1983). Desde o início da década de 90, a taxa média de crescimento anual do PIB tem sido de mero 0,6%. E por causa da deflação (hoje é de 2%) o valor nominal do PIB está próximo do que era em 1983.  Em outras palavras, nos últimos 16 anos, a economia do Japão não saiu do lugar. As previsões de resultados para 2009 de várias empresas japonesas foram catastróficas. A Hitachi, tradicional nome do setor de tecnologia, prevê perdas de quase 8 bilhões de dólares. A segunda maior empresa aérea do país, a All Nippon Airways, deverá acumular até dezembro um prejuízo de 100 milhões de dólares. Com os números no vermelho, muitas corporações vêm realizando demissões, elevando o índice de desemprego do país a uma taxa mensal próxima de 6%, o pior número do Japão do pós-guerra. Só nos últimos meses o país começou a apresentar alguns sinais positivos de recuperação. No segundo trimestre deste ano, o PIB cresceu 0,9% e as exportações também já começam a reagir, tendência que vem sendo acompanhada pelo Índice Nikkei. Mesmo assim, o PIB do país deve sofrer uma retração de 6% em 2009 e entrar na rota positiva apenas em 2010.
Um dos pilares do programa de Hatoyama é o fomento ao mercado de consumo interno para tirar do marasmoa segunda maior economia do mundo. As primeiras medidas práticas do novo governo deverão entrar em vigor ainda neste ano. Entre as principais está um "mesada" mensal de 275 dólares para as famílias japonesas a cada filho menor de idade. Além de colocar mais dinheiro em circulação na economia, a mediada tem como objetivo incentivar o aumento da taxa de natalidade. A população japonesa é a que está envelhecendo mais rapidamente no mundo, um em cada cinco habitantes tem mais de 65 anos. No pacote de Hatoyama constam também mediadas como o fim da cobrança de mensalidade para as universidades públicas (atualmente, os estudantes pagam taxa) e a eliminação dos pedágios nas rodovias federais. Para os empresários, o novo premiê acena com uma reforma tributária para reduzir os impostos de 40% para menos de 30%.
Seu desafio será cumprir essas promessas de campanha sem comprometer os cofres públicos. A dívida pública do Japão está em 17% do PIB, o nível mais alto entre os países desenvolvidos. O homem escolhido por Hatoyama para o Ministério de Finanças, Hiroshisa Fujii, tem a missão de acalmar os críticos já preocupados com o agravamento da situação. Aos 77 anos e com uma passagem pelo mesmo cargo entre 1993 e 1994, Fujii é considerado o quadro ideal para realizar o malabarismo fiscal de fazer caber no próximo orçamento fiscal do país, de 2 trilhões de dólares, todos os benefícios prometidos pelo novo premiê sem sobrecarregar as contas públicas. No total, as subvenções vão custar 180 bilhões de dólares ao ano. Segundo Fujii, o milagre seria possível com o corte de desperdícios na máquina do governo. Para enfrentar a notória morosidade da burocracia japonesa, Hatoyama tem a seu lado uma boa base política, com a maioria nas duas casas do Congresso, o PDJ aumentou a sua presença de 113 para 308 cadeiras (de um total de 490). O apoio popular também é expressivo: pela primeira vez, 69% dos eleitores exerceram o voto, um recorde histórico no país. A força da vitória do PDJ foi chamada pela revista inglesa The Economist de "ato de protesto político".
O "sangue azul" de Yukio Hatoyama parece fazer dele o candidato ideal para liberar a virada econômica japonesa sem perder de vista a tradição conservadora do país. Rígido, muito rico e com olhos saltados que lhe renderam o apelido de "Alien", Hatoyama tem doutorado em engenharia pela Universidade de Stanford. Foi lá que conheceu sua mulher, a ex-atriz Miyuki Hatoyama. Divorciada do primeiro marido e dada a excentricidades, Miyuki já declarou em programas de televisão ter conhecido o ator Tom Cruise em encarnações passadas e que sua alma visitou o planeta Vênus a bordo de um disco voador triangular. O único filho do casal, Kiichiro, estuda engenharia na Rússia. Hatoyama, que já disse que sempre se sentiu repelido pela política e preferia se dedicar às sua coleções de selo e insetos, só em 1980 resolveu seguir a vocação da família. Os Hatoyama são uma versão japonesa dos Kennedy e estão na quarta geração de políticos. A saga começou com a figura de Kazuo Hatoyama, que fundou no século 19 o PDL, justamente o partido agora derrotado pelo bisneto.

Revista Exame - edição 953 - 07/09/2009

0 comentários:

Qual a sua expectativa com a entrada no novo primeiro ministro Hatoyama?